O Evangelho Segundo o Espiritismo
Capítulo 2 – MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO Parte 03
Capítulo 2 – MEU REINO NÃO É DESTE MUNDO Parte 03
O Ponto de Vista
5 – A
idéia clara e precisa que se faça da vida futura dá uma fé inabalável no porvir,
e essa fé tem conseqüências enormes sobre a moralização dos homens, porque muda
completamente o ponto de vista pelo qual eles encaram a vida terrena.
Para aquele que se coloca, pelo pensamento, na vida espiritual, que é infinita,
a vida corporal não é mais do que rápida passagem, uma breve permanência num
país ingrato. As vicissitudes e as tribulações da vida são apenas incidentes que
ele enfrenta com paciência, porque sabe que são de curta duração e devem ser
seguidos de uma situação mais feliz. A morte nada tem de pavoroso, não é mais a
porta do nada, mas a da libertação, que abre para o exilado a morada da
felicidade e da paz. Sabendo que se encontra numa condição temporária e não
definitiva, ele encara as dificuldades da vida com mais indiferença, do que
resulta uma calma de espírito que lhe abranda as amarguras.
Pelas simples dúvida sobre
a vida futura, o homem concentra todos os seus pensamentos na vida terrena.
Incerto do porvir, dedica-se inteiramente ao presente. Não entrevendo bens mais
preciosos que os da Terra, ele se porta como a criança que nada vê além dos seus
brinquedos e tudo faz para os obter. A perda do menor dos seus bens causa-lhe
pungente mágoa. Um desengano, uma esperança perdida, uma ambição insatisfeita,
uma injustiça de que for vítima, o orgulho ou a vaidade ferida, são tantos
outros tormentos, que fazem da sua vida uma angústia perpétua, pois que se
entrega voluntariamente a uma verdadeira tortura de todos os
instantes.
Sob o ponto de vista da
vida terrena, em cujo centro se coloca, tudo se agiganta ao seu redor. O mal o
atinge, como o bem que toca aos outros, tudo adquire aos seus olhos enorme
importância. É como o homem que, dentro de uma cidade, vê tudo grande em seu
redor: os cidadãos eminentes como os monumentos; mas que, subindo a uma
montanha, tudo lhe parece pequeno.
Assim acontece com aquele
que encara a vida terrena do ponto de vista da vida futura: a humanidade, como
as estrelas no céu, se perdem na imensidade; ele então se apercebe de que
grandes e pequenos se confundem como as formigas num monte de terra; que
operários e poderosos são da mesa estatura; e ele lamenta essas criaturas
efêmeras, que tanto se esfalfam para conquistar uma posição que os eleva tão
pouco e por tão pouco tempo. É assim que importância atribuída aos
bens terrenos está sempre na razão inversa da fé que se tem na vida
futura.
6 – Se todos pensarem assim, dir-se-á, ninguém mais se
ocupando das coisas da Terra, tudo perigará. Mas não, porque o homem procura
instintivamente o seu bem estar, e mesmo tendo a certeza de que ficará por pouco
tempo em algum lugar, ainda quererá estar o melhor ou o menos mal possível. Não
há uma só pessoa que, sentindo um espinho sob a mão, não a retire para não ser
picada. Ora, a procura do bem estar força o homem a melhorar todas as coisas,
impulsionado como ele é pelo instinto do progresso e da conservação, que decorre
das próprias leis da natureza. Ele trabalha, portanto, por necessidade, por
gosto e por dever, e com isso cumpre os desígnios da Providência, que o colocou
na Terra para esse fim. Só aquele que considera o futuro pode dar ao presente
uma importância relativa, consolando-se facilmente de seus revezes, ao pensar no
destino que os aguarda.
Deus não condena, portanto,
os gozos terrenos, mas o abuso desses gozos, em prejuízo dos interesses da alma.
É contra esse abuso que se previnem os que compreendem estas palavras de Jesus:
O meu reino não é deste mundo.
Aquele que se identifica
com a vida futura é semelhante a um homem rico, que perde uma pequena soma sem
se perturbar; e aquele que concentra os seus pensamentos na vida terrestre é
como o pobre que ao perder tudo o que possui, cai em desespero.
7 – O
Espiritismo dá amplitude ao pensamento e abre-lhe novo horizonte. Em vez dessa
visão estreita e mesquinha, que o concentra na vida presente, fazendo do
instante que passa sobre a terra o único e frágil esteio do futuro eterno, ele
nos mostra que esta vida é um simples elo do conjunto harmonioso e grandioso da
obra do Criador, e revela a solidariedade que liga todas as existências de um
mesmo ser, todos os seres de um mesmo mundo e os seres de todos o mundos.
Oferece, assim, uma base e uma razão de ser à fraternidade universal, enquanto a
doutrina da criação da alma, no momento do nascimento de cada corpo, faz que
todos os seres sejam estranhos uns aos outros. Essa solidariedade das partes de
um mesmo todo explica o que é inexplicável, quando apenas consideramos uma
parte. Essa visão de conjuntos, os homens do tempo de Cristo não podiam
compreender, e por isso o seu conhecimento foi reservado para mais tarde.